quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Cabana no Parque


           - Ai, que tarde chata! – reclamou Carol.

            As quatro amigas estavam entediadas no apartamento Carol. Sem festas para aquele fim de semana, procuravam algo para fazer. Adriana tentava:

            - Vamos descer! Quem sabe a gente encontra alguém da galera debaixo do bloco?

            - Todo mundo foi viajar, Dri. Você não lembra que estavam planejando isso há um tempo? – replicou Bruna, desanimada.

            - E já era nesse fim de semana? Por que você não foi?

            - Faltou grana...

            Só Débora não participava da conversa. Estava concentrada na leitura de um livro, parecia não ter ouvidos para nada. O livro parecia muito velho e as páginas caíam. A capa estava rasgada e mal dava para ler o título.

            Carol disse que o dia estava morto e perguntou a Débora do que se tratava o livro. Ela já até imaginava que podia ser algo relativo à filosofia grega, tema adorado por Débora.

            - É sobre Sócrates. Mas não é bem uma biografia. É uma história fictícia. Na parte que estou lendo, ele guia um discípulo por uma espécie de trilha. Não sei o porquê, mas nunca consegui acabar de ler esse livro. Não passo dos primeiros capítulos, sempre acontece alguma coisa que interrompe minha leitura. E para não quebrar o fio da idéia, eu recomeço a ler. Aliás, fazia muito tempo que eu não via esse livro lá em casa. Hoje de manhã, ele apareceu na mesa da sala. Estranho...

            - É isso! – exclamou Adriana – A gente podia ir para o parque e fazer trilha lá! Fica só a alguns minutos de carro e o lago não deve estar muito cheio nessa época, deve dar para nadar também. A gente leva barraca, lanche, câmera... Tiramos um monte de fotos e mostramos para o pessoal que também nos divertimos no fim de semana!

            Carol e Bruna apoiaram a idéia, mas Débora se incomodou por, mais uma vez, não poder terminar a leitura. Para não haver confusão, as amigas insistiram na idéia, dizendo para ela levar o livro e acabar de ler quando tivesse tempo.

            Arrumaram as coisas e saíram no carro de Bruna. Colocaram o som bem alto, estavam decididas a fazer daquilo uma aventura. Débora insistia que não parecia uma boa idéia, mas não era ouvida.

            Ao chegarem, os grandes portões de ferro que davam ao parque um ar rústico estavam fechados. O parque estava vazio, mas nenhuma das amigas sabia ao certo porque ele estava fechado.

            - Fechado justo hoje? – reclamou Bruna. – Quero ver quem de vocês vai pagar a minha gasolina.

            Adriana, sempre com um espírito de moleca, sugeriu:

            - Por que a gente não deixa o carro aqui e pula o portão? É até bom que o parque esteja vazio... Vamos ter as trilhas só para nós.

- Você é doida? – retrucou Débora.- E se nos pegarem?

Ao que Adriana respondeu:

- Mas não há sinal algum de vida por aqui...

            Pularam o portão, seguindo Adriana. Não conseguiram pegar tudo o que estava no carro, mas foram assim mesmo.

            Débora resmungou:

            - Ah, que programa de índio! Estou morrendo de frio... Nem vai dar para nadar.

            Quando ela acabou de falar, um relâmpago rasgou o céu, seguido de um trovão estrondoso, que arrancou gritos histéricos das garotas.

            Começou a chover e elas correram em busca de abrigo, já que a barraca ficara no carro. Ao longe, Bruna avistou uma cabana. Em muito tempo de visitas àquele parque, as garotas nunca tinham visto cabana nenhuma. Mas não era hora para pensar nisso. Bateram à porta mais por costume, porque tinham a nítida impressão de que o lugar estava abandonado e ninguém viria atendê-las. Ledo engano. Tentaram girar a maçaneta, mas a porta estava trancada. Ouviram passos. Viram outro raio, que parecia ter caído mais perto. Obviamente, o som do trovão foi mais alto, o que as assustava ainda mais. A porta se abriu. Uma figura muito estranha surgiu. Era uma senhora de idade muito avançada, semblante sério, de uma magreza cadavérica e uma pele muito alva. As rugas denunciavam que ela já devia ter presenciado muitos invernos como aquele. Ela permitiu que as garotas entrassem e lhes ofereceu chá. Disse que, enquanto tomavam, podiam dar umas voltas na cabana, para conhecer o ambiente. Adriana fez um comentário maldoso:

            - Nossa, parece que ela morreu e se esqueceram de enterrá-la!

            Débora, irritada, esbravejou:

            - Trate de ficar calada! Foi tudo idéia sua! É muita bondade dessa mulher nos deixar entrar... Se eu estivesse no lugar dela, deixava você morrer de frio lá fora!

            Bruna e Carol logo apartaram a discussão e a senhora voltou. Até então, Débora não tinha tomado o chá. Dizia ter sensibilidade nos dentes e iria esperar esfriar um pouco.

            Enquanto isso, Bruna tentava puxar assunto:

            - Eu nunca tinha visto essa cabana aqui... Faz tempo que a senhora está nela?

            Ao que a mulher respondeu com uma voz rouca:

            - Ah, faz séculos... Não me chame de senhora. Meu nome é Sofortiger Tod. Mas pode me chamar de Tod.

            As meninas se entreolharam... Nem precisava dizer que acharam o nome muito estranho. Débora também tentava quebrar o gelo:

- Então... Tod... De onde vem esse seu nome?

- É alemão. – respondeu, brevemente.

O silêncio dominava o lugar, tudo estava ficando escuro. A tempestade continuava e ventava muito.

Tod perguntou se Débora não ia tomar o chá. Ela disse que não gostava muito de chá, mas que agradecia a preocupação. Aproveitou para perguntar por que será que elas nunca tinham visto aquela cabana, já que conheciam todo o parque há muito tempo. Tod, muito misteriosa, respondeu:

- Tudo tem sua hora certa. Se vocês nunca tinham visto minha cabana, é porque não era o momento apropriado. E... Falando em hora certa... Como vocês se sentem, meninas?

Débora olhou para as xícaras das amigas. Estavam vazias. Um arrepio percorreu sua espinha. Será que havia alguma coisa no chá? Tudo se agravou quando Adriana respondeu:

- Minhas pernas estão dormentes.

- Não sinto meus pés! – exclamou Carol, apavorada.

Bruna estava deitada no sofá, inerte. Débora aproximou-se da amiga e sentiu que seu corpo estava frio. Nesse momento, o vento ficou mais forte, as trancas das janelas arrebentaram e elas começaram a sacudir. A porta tremia, livros caíam da estante. As cortinas balançaram tanto que se soltaram, fazendo um estranho balé de panos vermelhos no meio da sala. Débora estava em pé, perto do sofá. Uma folha de seu velho livro voou até perto de seu pé. Ela pegou a folha e, ao ver a numeração da página, percebeu que era a última, aquela que ela nunca tinha tido a oportunidade de ler. A página estava um tanto manchada e tudo o que se podia ler era:

“...quando condenado à morte, foi forçado a tomar um chá de cicuta. Após tomar a cicuta, ficou dando voltas no quarto como lhe haviam recomendado, até que sentiu as pernas pesadas. Deitou-se de costas para que, em intervalos, se examinassem os pés e as pernas, ocasião em que já não mais os sentia. Começou a ficar frio e enrijecido, até que o veneno chegou em seu coração e lhe sobreveio a morte.”

            Quando o vento cessou, não havia mais sinal da velha ou das garotas. Débora viu-se trancada na cabana. Tentou gritar... Mas sem resultado. A cada minuto, o local ficava mais frio e escuro.

            Alguns dias depois, Adriana, Carol e Bruna viram no jornal uma notícia de uma garota que havia se matado com cicuta numa cabana isolada no meio de um grande parque na cidade. O nome dela era Débora Sicherer Tod. Como o nome não lhes era familiar, elas fecharam o jornal e foram procurar alguma aventura para aquele fim de semana. Quem sabe um passeio no parque?

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